Sobre a Mostra

O diálogo do cinema com outras artes, como a literatura, a música e o teatro na construção da crítica política de nosso tempo será o fio condutor da 10ª Mostra Mundo Árabe de Cinema, que começa em 12 de agosto em São Paulo, realizada pelo Instituto da Cultura Árabe (ICArabe), em parceria com o CineSesc-SP, o Sesc-Espírito Santo, o Centro Cultural Banco do Brasil – São Paulo, o Centro Cultural Banco do Brasil – Belo Horizonte, o Centro Cultural São Paulo e a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Esta edição será a maior já realizada, com uma programação de mais de 30 filmes e diversas atividades abertas ao público, como debates com convidados nacionais e internacionais e encontros musicais em quatro cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Vitória (veja a programação abaixo).

 

Um dos destaques da Mostra, na sessão Panorama Árabe, é a produção marroquina inédita no Brasil “SottoVoce”, do diretor marroquino Kamal Kamal. “Sotto Voce” lida com os sentimentos e os sentidos dentro de uma realidade complexa, um retrato simbólico de uma região que passa por um momento de impasse e de extrema violência política. Por meio de uma sensibilidade aguda, transitando entre o subjetivo e o político, os projetos são colocados em xeque. O filme, uma jornada pelas complexidades de tal região, será exibido em vários momentos, dentre os quais se destacam: na abertura da Mostra, que contará com a participação de Alaa Karkouti, jornalista e crítico de cinema nascido na Síria e atualmente residente no Egito; e no dia 19 de agosto, seguida de um debate (“Cinema da Vela”) com o cientista social e professor da PUC-SP Miguel Chaia sobre as relações entre arte, política e tragédia. .

 

Também inédito, “Theeb” (Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Qatar e Reino Unido), com direção de Abu Nowar, é a nova leitura de uma época longínqua, quando os otomanos governavam a região e os britânicos começavam a entrar como os novos dominadores. Através da jornada de um menino que enxerga uma nova paisagem, este filme mostra o conhecido modificado pela locomotiva, no momento da abertura da região árabe para o que viria a ser sua tragédia contemporânea. O filme integrou, em 2014, a Seleção Oficial do Festival Internacional de Cinema de Toronto e foi vencedor do Prêmio de Melhor Direção no Festival Internacional de Cinema de Veneza. Outro destaque é “Água prateada, um autorretrato da Síria”, que aborda o poder das imagens instantâneas na era do youtube, num cenário em que, diariamente, youtubers filmam e então morrem; outros matam e então filmam. Uma questão permeia a narrativa: “se a sua câmera estivesse em Homs, o que você estaria filmando?".

 

E pela primeira vez na história da Mostra, duas produções do Iêmen integram a programação com destaque: “Indignação não tem muros”, que concorreu ao Oscar no ano passado na categoria Curta Documentário, e “A casa das amoreiras”, ambos da diretora Sara Ishaq. O documentário retrata as revoltas populares naquele país a partir das vidas de dois pais de família em meio à repressão violenta aos protestos de 18 de março de 2011, quando atiradores pró- governo assassinaram brutalmente 53 pessoas e deixaram milhares feridos.
A literatura, em sua relação com o cinema, estará presente em diversos momentos, dentre os quais se destaca a sessão “Cinema e Literatura” com a exibição de “Lavoura Arcaica”, uma homenagem ao escritor Raduan Nassar, acompanhada de debate com o escritor Milton Hatoum. No dia 18 de agosto acontecerá a exibição do filme “Como disse o poeta”, uma homenagem incomum ao poeta lírico palestino e ativista político Mahmoud Darwish.

 

Na sessão “Cinema e Música”, um das produções de mais relevância é o filme de 1969, “Festival Pan-Africano de Argel”, que mostra o primeiro festival, um evento colossal que espalhou uma sensação de euforia, exuberância, festividade e esperança por uma África livre e fraterna. No dia 15 de agosto, a Mostra organiza um debate logo após a exibição deste filme sobre as dinâmicas de produção artístico-cultural contemporâneas no mundo árabe, com a presença de Alaa Karkouti e também de Brahim El Mazned, um dos maiores produtores musicais dos países árabes e outro dos convidados internacionais da Mostra. Dois Encontros Latino-Árabes e uma Aula-Show sobre música árabe clássica e contemporânea também integram o eixo “Cinema e Música” dessa Mostra.

 

A Sessão Cinema Palestino, que trouxe na última edição o filme “Omar”, indicado ao Oscar de Melhor filme estrangeiro em 2014, Prêmio do Júri no Festival de Cinema de Cannes em 2013 e Melhor Filme no Festival Internacional de Dubai em 2013, passa este ano a ser parte oficial da Mostra. Com uma produção cinematográfica cada vez mais intensa, a Palestina tem mostrado ao mundo a força de seu cinema na reflexão das questões sociais, políticas e culturais da região e na luta por sua autonomia. Destaca-se, este ano, o filme “Marte ao Amanhecer”, uma narrativa do conflito entre dois artistas frustrados que residem em lados opostos das fronteiras militarizadas de Israel. Inspirado pela jornada criativa do renomado artista visual palestino exilado Hani Zurob e em histórias verídicas da região, o filme demonstra os sentimentos do poeta judeu norte- americano Azzadeh e o pintor palestino Khaled, para retratar uma vida marcada pelo conflito. No dia 26 de agosto, após a exibição do filme do Sesc-ES, e no dia 28 de agosto, após a exibição no CCBB-BH, a produtora do filme Nirah Shirazipour, nossa convidada internacional, fará um bate-papo com o público. Destaca-se também a exibição no dia 8 de setembro, no CCSP, que será seguida de uma intervenção cênica da Companhia de Teatro Kiwi sobre violência de Estado. A Mostra, dessa forma, faz questão de reforçar o seu papel de contar essas histórias de resistência e de luta contra o desaparecimento.


10 anos de cinema árabe no Brasil


Consolidada no calendário cultural de São Paulo e referência como evento cinematográfico, a Mostra Mundo Árabe de Cinema consagra-se em 2015 como evento internacional, aproximando o público da produção cinematográfica do mundo árabe e de outros países que abordam a temática árabe, como produções europeias e latinas.

 

A Mostra vem, ano a ano, contribuindo para dialogar com a sociedade brasileira e mostrar uma parte considerável da cultura árabe para esse público. “Não só a cultura árabe do passado, mas a cultura árabe do presente, que é muito viva. Mostrar as questões sociais, sociológicas, antropológicas, porque cultura é isso. Cultura não é uma coisa estática. É algo muito dinâmico”, ressalta sua idealizadora, Soraya Smaili.

 

Para o curador e diretor da Mostra, Geraldo Adriano Godoy de Campos, os filmes apresentados desestabilizam referenciais que muitas pessoas têm como certos, como por exemplo, a dicotomia entre Oriente e Ocidente. “Neste percurso, a Mostra permite uma permanente interação entre componentes estéticos e políticos. Políticos em vários sentidos. Primeiramente, em um sentido da aproximação com questões geopolíticas e econômicas do Mundo Árabe e do Oriente Médio. Mas é também política a constatação de que as questões que a Mostra falam também sobre nós.”